Licenciada em Matemáticas pela Faculdade de Ciências de Lisboa em 1972, Maria Margarida Pires inicia a sua carreira como Assistente do ISE – Instituto Superior de Economia e em 1973 ingressa nos quadros dos TLP – Telefones de Lisboa e Porto, como especialista de Análise e Programação, tendo, ao longo de 18 anos, exercido diversas funções na empresa, a última das quais de Diretora de Serviços de Informática. Em 1991, é nomeada Diretora Geral da TIME SHARING – Sistemas de Informação, funções que exerce durante quatro anos. Ainda em 1991 integra o Conselho de Administração da IN – Informática e Sistemas onde cumpre um mandato com funções não executivas. Em 2003 lança uma empresa, CREATIVITY – Projetos e Software, exercendo funções ativas de gestão como Managing-Partner. De 2009 a 2013 exerce funções como Administradora Executiva da REFER TELECOM – Telecomunicações Ferroviárias. Reforma-se em 2013 e passa a desenvolver atividade como Consultora free-lancer.
1 – Como foi o seu percurso profissional e que barreiras encontrou enquanto Girl in ICT?
A minha entrada no universo ICT deu-se por mero acaso, pois a minha formação académica é em Matemática, no ramo da Estatística, e era minha intenção dedicar-me a esta área. Assim, em 1972, quando acabei o curso, dirigi-me aos TLP Telefones de Lisboa e Porto a ver se quereriam aproveitar os meus conhecimentos em “Teoria das filas de espera” para dimensionamento das centrais telefónicas ou para otimização do tráfego telefónico. Olharam-me com estranheza, pois ainda trabalhavam de forma empírica nessas áreas e propuseram-me, em alternativa, que me candidatasse a uma vaga na Informática. Apesar de não estar muito interessada, concorri porque pagavam muito bem. Para meu espanto, após um longo processo de seleção, fiquei com o lugar, entre mais de duas centenas de concorrentes e em janeiro 1973 ingressei no Gabinete de Estudos, Análise e Programação da Informática dos TLP, onde fui bastante bem acolhida, apesar de, nessa época, o número total de mulheres licenciadas nos TLP não chegar a uma dezena, isto, numa empresa com mais de 14 mil empregados… Seguiram-se seis meses de formação na IBM e, a cada dia que passava, eu ia ficando mais e mais cativada pela Informática. Comecei por aprender o que era um computador e como funcionava e depois aprendi programação Assembler, muito próxima da linguagem máquina, que requeria concentração e alguma imaginação, pois o computador IBM 360 com que trabalhávamos tinha apenas 64K de memória. Nessa época os computadores eram enormes, faziam montes de ruído, libertavam muito calor e havia uma aura de mistério e glamour a envolver a sala dos computadores e quem com eles trabalhava. Trabalhar com aquelas máquinas, no meio dos operadores de informática, todos homens, com as suas batas brancas, era absolutamente fascinante! Passado algum tempo, eu já estava tão convicta de que era a Informática que eu queria como profissão que pedi a demissão do meu lugar de Assistente Convidada da cadeira de Probabilidades e Estatística, no Instituto Superior de Economia, função que exercia em acumulação. Depois, fui evoluindo aos poucos na carreira, dentro da Informática dos TLP, desde Chefe de Projetos, passando por Chefe de Divisão do Projetos de Informática, até chegar a Diretora de Informática dos TLP, gerindo mais de quatrocentos colaboradores e dois grandes Centros de Informática (Lisboa e Porto) equipados com mainframes IBM, o que me obrigava a passar as 2.ªs e 3.ªs feiras no Porto e os restantes dias em Lisboa. Pelo meio, fiz duas comissões de serviço nos CTT, em gabinetes de Coordenação Informática CTT/TLP. Mas atenção, esta evolução na carreira exigiu formação contínua e muito esforço. Era raro conseguir sair antes das 20h00 e muitas noites ficava a trabalhar até de madrugada, quando se testavam novas aplicações ou instalavam novos sistemas ou se tinha que recuperar algum erro de processamento. Ter esta dedicação não é fácil para alguém como eu, divorciada e a criar uma filha pequena, mas tive a sorte de ter um bom suporte por parte da minha família, sem o qual nunca teria sido possível fazer a carreira que fiz e teria ficado só como técnica de Informática. No entanto, nunca lutei para ascender na carreira. Assim, foi com alguma surpresa que em 1991 recebi o convite para ser Diretora-Geral da nova Unidade de Negócios Facilities Management da empresa TIME-SHARING Sistemas de Informação, que era uma participada dos TLP e da Marconi. Foi preciso criar de raiz esta nova área, dedicada a prestar serviços de facilities management (outsourcing) de desenvolvimento aplicacional e manutenção, de sistemas e redes e suporte informático a utilizadores dos TLP, tanto em Lisboa como no Porto e ainda a prestar serviços de outsourcing de recolha e processamento de dados para várias empresas, autarquias e administração pública. Foi um trabalho árduo, mas inovador, que me deu muito prazer fazer, pois foi a primeira operação de outsourcing global que se fez em Portugal e que envolvia mais de trezentos colaboradores, sendo uma boa parte deles oriunda dos TLP, em situação de comissão de serviço. Mas contei sempre com o apoio e a confiança dos acionistas e o envolvimento empenhado de toda a minha equipa, apesar de ter tido que enfrentar alguns “velhos do Restelo” que não acreditavam no êxito do projeto. Paralelamente, assumi também o cargo de Administradora da software house IN Informática e Sistemas, empresa participada pela TIME-SHARING, durante o mandato 1991/1993, cargo que me fez embrenhar por áreas novas, nomeadamente financeiras e de controlo de gestão e que foi muito importante para me lançar na minha carreira de gestora. Com a constituição da PORTUGAL TELECOM em 1994, por fusão da Telecom Portugal, dos TLP e da TDP, a que se juntou a Marconi em 1995, a operação de facilities management terminou e o pessoal dos TLP regressou à PT, deixando a TIME-SHARING fragilizada. Para mim, foi extremamente frustrante ver que, após tanto esforço e estando as coisas a correr tão bem, tudo terminou abruptamente em 1995 por vontade do Presidente da PT, apenas por questões políticas e de afirmação de poder. Mas em março 1995 fui nomeada para o cargo de Administradora Executiva da TELEPAC – Serviços de Telecomunicações, que era o maior operador português de telecomunicações na área da comunicação de dados. A minha passagem pela TELEPAC obrigou-me a aprender muito em matéria de telecomunicações e permitiu-me fazer parte de um período muito fértil em inovação com o lançamento da Internet, o que constituiu um marco no ICT em Portugal. Também colaborei na Certificação da empresa pela ISO9001. Estava eu feliz na TELEPAC, quando fui surpreendida em maio 1996 pelo pedido do Dr. Murteira Nabo, Presidente da PT, para regressar à TIME-SHARING como Presidente do Conselho de Administração, com a missão de recuperar a empresa que estava em situação muito difícil. À época, a TIME-SHARING tinha apenas 36 colaboradores, dedicava-se à comercialização de hardware/software, ao desenvolvimento e suporte técnico de sistemas de informação e ao outsourcing, estava com enorme prejuízo financeiro e tinha perdido credibilidade no mercado. Com a conjugação de esforços de toda a equipa e muitas noites mal dormidas, foi possível recuperar a empresa. A situação evoluiu rapidamente de forma positiva, tanto em termos de mercado como financeiros e em final de 1998, como forma de alavancar o negócio, a TIME-SHARING lançou-se na gestão de call e contact centers, apesar de continuar a manter com os seus outros negócios. Em 2001, a empresa mudou o seu nome para PT CONTACT Telemarketing e Serviços de Informação, em consonância com o seu principal negócio de telemarketing e de gestão de call e contact centers, apesar de continuar ainda a prestar serviços no âmbito dos sistemas de informação (suporte técnico, comercialização de hardware/software e outsourcing de tratamento e processamento da informação). A área dos call e contact centers era inteiramente nova para mim e envolvia um número elevado de recursos humanos geridos de forma dinâmica, a par de um conjunto complexo de recursos de telecomunicações e de tecnologias de informação. Foi um desfio giríssimo, mas que me deu algumas dores de cabeça, pois houve grande oposição dos sindicatos do setor das telecomunicações ao outsourcing desta atividade por parte da PT, isto, para além da natural dificuldade em gerir grandes concentrações de pessoal em turnos de 24h/24h, 7 dias por semana, sem feriados nem interrupções de qualquer natureza, sob pena de sofrermos penalidades. Em simultâneo, desempenhei o cargo de Gerente em duas empresas participadas da PT CONTACT e que eram a TELEMÁTICA Consultores de Telecomunicações e Informática, que prestava serviços de consultoria, suporte técnico de informática e a PLATOFORMA Empresa de Trabalho Temporário, que tinha por objeto a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros e ainda, a seleção, orientação e formação profissional, consultoria e gestão de recursos humanos. Entretanto, a PT CONTACT foi-se desenvolvendo positivamente e em 2003 já tinha mais de três mil colaboradores, vinte e seis call e contact centers localizados em vários pontos do país, num total de mais de mil e trezentas posições de atendimento com várias plataformas tecnológicas. Foi também desenvolvido o processo de certificação da empresa pela ISO 9001 2000. Em fevereiro 2003 completei 55 anos e em março 2003, terminei os mandatos na PT CONTACT, na TELEMÁTICA e na PLATOFORMA, passando à situação de pré-reforma da PT. Ao longo no meu percurso no grupo PORTUGAL TELECOM não posso dizer que nunca senti a discriminação de género, mas curiosamente, ela veio mais dos meus subordinados do que dos meus superiores… Até ouvi alguns elogios sexistas, do género “a chefe é fantástica, trabalha mesmo como um homem”. Mas uma coisa é certa, estou convicta de que se fosse homem, teria tido que me esforçar bastante menos para fazer a carreira que fiz! Como estar parada nunca fez o meu género, em setembro 2003, com mais três amigos, criámos a empresa CREATIVITY que se dedicava a consultoria, gestão de projetos e formação em gestão de projetos, tendo assumido o cargo de Gerente. Mas em junho 2005 vendi a minha quota a um dos sócios e cessei todas as minhas funções na empresa, tendo passado a trabalhar apenas como consultora ICT independente. Cerca de um ano após ter sido contratada pela REFER TELECOM para um trabalho de consultoria no âmbito dos sistemas de informação do grupo REFER, fui convidada em março 2009 para o cargo de Administradora Executiva da REFER TELECOM Serviços de Telecomunicações, onde tive os pelouros das infraestruturas, operações e manutenção de telecomunicações, do cadastro da rede de telecomunicações, da segurança, das tecnologias de informação e dos sistemas de informação de gestão. Claro que isso me obrigou a aprender muito sobre telecomunicações ferroviárias, que têm alguma especificidade e que eram uma novidade para mim. O mundo ferroviário é ainda muito um mundo de homens, mas receberam-me bem e sempre colaboraram comigo sem que eu sentisse quaisquer entraves pelo facto de ser mulher. Pelo lado das tecnologias de informação, foi muito estimulante participar no lançamento de um novo data center em Viseu, triangulando com os data centers já existentes em Lisboa e Porto e também na implementação de uma solução de cloud computing para servir o grupo Refer e o mercado. Em março 2013, o meu mandato como gestora pública na REFER TELECOM terminou, tendo-me reformado nesse ano, por ter completado 65 anos. E foi esta a minha carreira de 40 anos como Girl in ICT.
2 – Quais são os aspetos mais aliciantes de ser uma Girl in ICT?
Trabalhar em ICT, seja-se Girl ou Boy, é algo de muito aliciante, pois é uma área em permanente desenvolvimento, onde a inovação é a palavra de ordem, obrigando a formação contínua para atualização permanente dos conhecimentos e a abertura de espírito a novas ideias/conceitos e exigindo também uma enorme dedicação. Mas ver um projeto inovador desenvolver-se e concretizar-se é muito compensador, tando intelectualmente como pessoalmente. E quando se trabalha na área das tecnologias da informação e comunicação, vêm-se “coisas” feitas, aplicadas, úteis, simplificando a vida das pessoas e contribuindo para o seu bem-estar. Por outro lado, como a grande maioria dos profissionais desta área são homens, existe uma certa admiração e carinho pelas Girls que conseguem distinguir-se e fazer carreira nesta área. Pelo menos, eu sempre senti isso, achei sempre que valeu a pena o esforço e deu-me muito “gozo” trabalhar em ICT.
3 – Alguma vez se sentiu discriminada? Do seu ponto de vista faz sentido promover-se a igualdade de géneros no mundo das TIC?
Pessoalmente, durante a minha carreia no mundo ICT, não senti grande discriminação de género, mas senti sempre que tive de trabalhar mais e melhor para conseguir chegar onde os homens chegavam. E muitas vezes tive de me envolver em acesas discussões para tentar evitar que colegas minhas fossem discriminadas, sobretudo no acesso a lugares de chefia. Normalmente os argumentos dos homens para afastarem as mulheres desses cargos são o absentismo por gravidez/parto/assistência à família ou a menor disponibilidade para ficarem até tarde e nunca por pouca competência ou inadequação ao posto de trabalho. No entanto, nas empresas por onde passei, houve sempre salário igual para homens ou mulheres numa mesma função, apesar de eu conhecer várias empresas e profissões em que se verificam desigualdades remuneratórias. Portanto, acho que faz todo o sentido promover a igualdade de género no mundo ICT, pois basta analisar os relatórios de gestão das empresas do setor ICT no tocante ao número de colaboradores homens e mulheres para verificarmos que as Girls ainda não são tratadas exatamente da mesma forma que os homens e esta situação tem mesmo que acabar!
4 – O que sugere para atrair mais as jovens para as áreas das tecnologias da informação?
Numa altura em que o desemprego em Portugal e na Europa é muito elevado, mas ainda existe um grande deficit de profissionais na área ICT, este será talvez um dos melhores argumentos para atrair os jovens para as áreas das tecnologias da informação, sejam eles Girls ou Boys, pois trata-se de emprego qualificado de alta empregabilidade. E não falo só de profissões de pura tecnologia, mas também de profissões dedicadas à análise, arquitetura e gestão de negócio, na ótica dos sistemas de informação e comunicação, onde a carência de pessoal é enorme. Também é um forte atrativo a mobilidade internacional que uma carreira ICT proporciona, isto numa época em que emigrar em busca de vida melhor faz parte do imaginário dos jovens. Claro que há também um outro bom argumento para atrair jovens para esta área, que é o facto de várias empresas multinacionais terem instalado em Portugal os seus centros de competências e/ou polos de I&D e que precisam de recrutar profissionais ICT qualificados. A divulgação destas situações e da facilidade de emprego nesta área, bem como a partilha da experiência de quem nela trabalha, poderá ser uma importante forma de atrair os jovens para a área das tecnologias da informação e comunicação. Deveria atuar-se junto de escolas e colégios, nomeadamente junto de alunos do 9º ano, altura em que têm de fazer opções de cursos e profissões, de forma a mostrar-lhes as vantagens do universo ICT. Acho que iria compensar!
5 – As tecnologias influenciam o modo como o mundo olha para as Girls in ICT? E contribuem para a igualdade do género?
A aprendizagem da utilização das tecnologias no ensino básico, com o consequente acesso crescente à internet e aos conteúdos Web, veio permitir às mulheres acederem a todo o tipo de conhecimento, muito do qual lhes era antes vedado, por ser considerado só para homens. O fato de existirem cada vez mais mulheres com profissões ligadas à tecnologia e que demonstram um ótimo desempenho nas suas funções e também o facto de já haver um número significativo de mulheres a fazerem carreiras de sucesso a nível mundial na área ICT, leva a que o mundo comece a olhar as Girls in ICT como uma mais-valia para o setor, com potencial, inteligência, competência, eficiência/eficácia e dedicação em tudo semelhante ao dos homens. E como a igualdade de género passa pela educação e pela tomada de consciência de que as mulheres são tão capazes como os homens para o exercício de uma profissão, o contributo das Girls in ICT, com toda a visibilidade que traz, é importantíssimo para atingir esse objetivo. Não tenho qualquer dúvida, as Girls in ICT contribuem para a igualdade de género.
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